terça-feira, 14 de setembro de 2010

São Martinho - O Homem e a Lenda

     O Santo

     No calendário litúrgico, o dia de S. Martinho celebra-se a 11 de Novembro, data em que este Santo, falecido dois ou três dias antes em Candes, no ano de 397, foi a enterrar em Tours, França. Hoje em dia, não sendo o uso do missal tão frequente, nem todos os crentes católicos se lembrarão de ver, nos dias festivos do ano, o que se diz relativamente ao dia 11 de Novembro e ao seu Santo: «São Martinho é o primeiro dos Santos não Mártires, o primeiro Confessor, que subiu aos altares do Ocidente (...) A sua festa era de guarda e favorecida frequentemente pelos dias de “verão de S. Martinho”, rivalizando, na exuberância da alegria popular, com a festa de S. João.» (in Missal de Dom Gaspar Lefebvre). Com efeito, S. Martinho foi, durante toda a Idade Média e até uma época recente, o santo mais popular de França. O seu túmulo, abrigado desde o séc. V por uma Basílica (sucessivamente destruída e reconstruída) em Tours, era o maior centro de peregrinação de toda a Europa Ocidental. A sua generosidade e humildade, aliadas a uma enorme fama de milagreiro fizeram dele um dos santos mais queridos da população. E ainda hoje o seu espírito de partilha é fonte de inspiração. O facto de o seu dia coincidir com a época do ano em que se celebra o culto dos antepassados e com a altura do calendário rural em que terminam os trabalhos agrícolas e se começa a usufruir das colheitas (do vinho, dos frutos, dos animais) leva a que a festa deste Santo tenha toda uma componente de exuberância que actualmente tende a prevalecer.


     O Homem

     O conhecimento que se tem da vida de S. Martinho, apelidado de apóstolo da Gália, é devido principalmente ao seu primeiro e mais dedicado biógrafo, Sulpício Severo (c.360-c.420), historiador cristão de expressão latina, nascido na Aquitânia, também declarado santo.  Quando conheceu S. Martinho, já este era bispo vivendo no entanto fiel ao ideal monástico, recolhendo-se longe do fausto do palácio episcopal. Sulpício Severo tornou-se seu discípulo, amigo e biógrafo. É graças a ele que hoje temos um relato precioso da vida deste Santo. São Martinho, era filho de um tribuno e soldado do exército romano. Nasceu e cresceu na cidade de Sabaria, Panónia (actual Hungria), em 316 e veio para as Gálias como soldado. Sendo ainda catecúmeno, deu um dia perto de Amiens a um pobre, que lhe pedia esmola por amor de Cristo, metade do seu manto. Na noite seguinte, Jesus Cristo apareceu-lhe vestido com essa metade que ele dera ao pobre, e disse-lhe: "Martinho, sendo tu ainda catecúmeno, vestiste-Me com este manto". Recebeu o baptismo aos 18 anos por Hilário, bispo da cidade de Poitiers. Depois de viajar pelo Oriente, onde se iniciou na vida monástica, faz por algum tempo vida de eremita numa ilha das costas da Ligúria. Finalmente, fez-se discípulo de Santo Hilário, que então florescia na cadeira episcopal de Poitiers e fundou no deserto de Ligugé, a duas léguas da sede do Bispado, um mosteiro para onde se retirou com alguns discípulos. Lançou assim os alicerces do monaquismo nas Gálias. Mas Deus não queria que esta luz, ficasse oculta debaixo do alqueire, e S. Martinho foi arrancado à paz da solidão sendo revestido da dignidade episcopal, que lhe deu ensejo para desenvolver largamente os dotes do seu coração de apóstolo. Pregou o Evangelho pelos campos da Gália e extirpou de vez os resíduos tenazes do paganismo, que tinham resistido à investida cristã a coberto da superstição e da ignorância do povo. Colocado à frente da diocese de Tours, fundou a célebre abadia de Marmoutiers ou o grande mosteiro aonde com frequência se retirava para viver mais longe do mundo e, mais perto de Deus. Cercavam-no oitenta monges de vida santíssima, pautada pelo exemplo e regra dos eremitas da Tebaida. Viveu mais de oitenta anos, ocupado sempre com a glória de Deus e a salvação das almas, e morreu em Candes, perto de Tours, em 397. Ao seu túmulo afluíam de toda a parte peregrinações frequentes. Gregório de Tours, que lhe sucedeu, não hesita em chamar-lhe o "Patrono de todo o mundo". Poucos santos alcançaram a popularidade dele. Só em França há perto de mil igrejas paroquiais e 485 burgos e lugares com o seu nome. Em Roma é notável a igreja de S. Silvestre e S. Martinho, onde se faz a estação de quinta-feira da quarta semana da Quaresma. A capa de São Martinho era conduzida à frente dos exércitos em tempo de guerra e nela se pregavam os sermões solenes em tempo de paz. Símbolo da protecção, que S. Martinho dispensava à França, esta capa deu o nome ao oratório que a guardava e a todos os oratórios, ou "capelas".

     A Lenda


     Há muitos episódios lendários ligados a S. Martinho pois este teria feito muitos milagres. Parece que em seu redor as coisas aconteciam sempre melhor, eram mais belas e mais cheias de inspiração: o mal transformava-se em bem, as pessoas tinham visões maravilhosas, a própria natureza tornava-se espelho da bondade e da vontade do Santo. No entanto, reza a lenda, que quando era ainda soldado, ao entrar na cidade de Amiens, montado no seu cavalo, deparou com um pobre homem praticamente sem roupas e, sendo um Inverno especialmente rigoroso, ao ver que ninguém o ajudava, mesmo pessoas com muito mais posses que ele, tentou ajudá-lo a proteger-se do frio, cortando para isso a sua manta militar ao meio; o seu único bem real naquele momento, e ofereceu o pedaço ao homem. Na mesma noite teve uma visão na qual vislumbrou a face de Cristo, que estava vestido com a manta dada ao mendigo e, assim, São Martinho acreditou que aquele a quem ajudara fora Jesus Cristo. E para que os homens se recordassem deste dia, durante 3 dias, por altura deste acontecimento, todos os anos o clima de Inverno, dá lugar a um chamado, “Verão de S. Martinho”.



    Mas em França há quem associe a expressão "Verão de S. Martinho" ao facto milagroso de terem florido as plantas, reverdecido as árvores e os pássaros terem começado a cantar, à passagem do corpo do Santo, levado de barco de Candes, onde tinha morrido, para Tours onde foi enterrado. Discorrendo sobre ele, disse o Papa Bento XVI: «O gesto caritativo de São Martinho insere-se na lógica que levou a Jesus a multiplicar os pães para as multidões famintas, mas sobretudo a dar-se a si mesmo como alimento para a humanidade na Eucaristia". (...) "Com esta lógica de compartilhar se expressa de modo autêntico o amor do próximo». (Alocução do Ângelus, de 11 de Novembro de 2007).